O baile do pretzel
22/01/13 16:01WASHINGTON – Como se faz um baile presidencial?
Se o parâmetro for o que celebrou ontem a segunda posse de Barack Obama, no Centro de Convenções de Washington, a resposta é muito pretzel de saquinho, músicas dos anos 80/90 e telefone celular para registrar cada momento: o vestido, a dança presidencial, o show de Alicia Keys (que poucos viram, porque ainda era cedo), os chapéus étnicos…
Para uma brasileira como eu, à primeira vista a festa tinha um quê de baile de formatura de faculdade — até porque ela estava claramente dividida em duas faixas etárias, uma que parecia recém-saída da universidade e outra que parecia ter filhos recém-saídos da universidade. Quem estava no meio (o/) trabalhando se sentia um pouco deslocado.
Claro que quem estava no palco fazia toda a diferença.
Além de Alicia Keys, que começou a cantar por volta de 19h30 e se limitou a duas canções (sim, nos EUA até baile começa cedo), passaram ali o guitarrista Santanna com a banda mexicana de rock Maná; o-homem-o-mito Steve Wonder; os meninos do fun, uma das bandinhas de indie rock mais tocadas do ano passado; Jennifer Hudson, que cantou um cover de “Let’s Stay Together”, de Al Green, para o presidente e a primeira-dama dançarem e até o ator Jamie Foxx, que incorporou mais uma vez Ray Charles para que o vice-presidente Joe Biden dançasse com sua doutora Jill (momento mais fofo da noite). O músico de R&B John Legend, o country Brad Pailsey, a ultrapop Katy Perry… havia para todo gosto. Mas tudo talhado para a geração do deficit de atenção, nada com mais de meia hora de show (alguns, com cinco, seis minutos).
Toda essa constelação não parecia suficiente para entreter o público americano. Na hora em que fui embora, 23h, mais ou menos metade do povo já havia partido (e a outra metade parecia se preparar para). Com exceção do momento Steve Wonder, gente dançando mesmo só se via quando o DJ evocava a trinca Michael Jackson-Madonna-Cindy Lauper (e ele o fez de novo, de novo e de novo).
Talvez fosse o ambiente. O Centro de Convenções, com suas pilastras de concreto e seu ambiente asséptico, não foi em nada enfeitado para a ocasião, parecendo mais um hangar do que um salão.
Talvez fosse o frio. O termômetro marcava um grau positivo, e nas longas, longuíssimas filas para entrar no local, mocinhas tremelicavam em vestidos de paetê, retalhos, muito tafetá mas invariavelmente de ombros desnudos (para não contar as de vestido curto, embora no convite se exigisse traje black-tie). Algumas se aqueciam saltando na espera, chinelos e até pantufas substituindo os altíssimos saltos, já prevendo o martírio de pés esmagados no salão.
(Mesmo sem ter de encarar fila porque a entrada de imprensa era, em tese, mais simples, esta repórter passou quase quarenta minutos até achar a porta correta no imenso galpão, tentando passar as inúmeras barreiras policiais, revistas, detectores de metais e desviando de ratos pela calçada, uma visão não rara na capital americana — e não se trata de metáfora. Pobres das que estavam de sandália.)
Lá dentro, a molecada aproveitava a bebida relativamente barata — champagne a US$ 9, cerveja a US$ 5 e drinques a US$ 10 — para lavar a alma. Ou seja, mais filas. Um rapazinho na minha frente, acompanhado de uma moça bem mais volumosa que ele, comprava US$ 150 em bebidas. Justiça a ser feita, não notei ninguém dando vexame. E olha que não havia nada para comer — só pretzel e salgadinho de queijo, ambos de pacotinho. Antes das 22h, porém, não eram poucos os que pediam arrego e sentavam no chão, sem sapatos, entretidos com seus celulares.
Quando Obama e Michelle entraram para dançar de rosto colado — pareciam muito, muito mais à vontade do que em 2009 –, o salão se tornou um mar de celulares brilhantes registrando a cena. Registrar as cenas, aliás, parecia a atividade número um da noite.
E olha que a noite de fato foi “inclusiva”, como queriam os organizadores ao reduzir os bailes oficiais de dez para dois (o primeiro, reservado apenas a militares e familiares, em salões anexos no mesmo centro). Com ingressos entre US$ 150 e US$ 60, o baile era quase-popular, e foi divertido ver o povo de blazer azul-marinho de Georgetown e a turma da Rua U (estou velha e a comparação só vale para São Paulo, mas seria uma espécie de Vila Olímpia versão muito branca encontra a Vila Madalena, versão black) se misturarem a senhoras negras na faixa dos 70 que pareciam as únicas a estarem ali genuinamente por Obama.
Sim, as pessoas pareciam alegres, mas nada daquela comoção da festa da vitória, daquele sentimento de noite histórica, nem mesmo com a bebida *barata*. Alegria mesmo, só a de compartilhar o feito — os 30 mil ingressos esgotaram-se quase instantaneamente — com os amigos pelo celular. Mas isso lá é festa?