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Americana

Ideias e histórias que só poderiam vir dos EUA

Perfil Luciana Coelho é repórter em Washington

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O baile do pretzel

Por Luciana Coelho
22/01/13 16:01

WASHINGTON – Como se faz um baile presidencial?

Se o parâmetro for o que celebrou ontem a segunda posse de Barack Obama, no Centro de Convenções de Washington, a resposta é muito pretzel de saquinho, músicas dos anos 80/90 e telefone celular para registrar cada momento: o vestido, a dança presidencial, o show de Alicia Keys (que poucos viram, porque ainda era cedo), os chapéus étnicos…

Para uma brasileira como eu, à primeira vista a festa tinha um quê de baile de formatura de faculdade — até porque ela estava claramente dividida em duas faixas etárias, uma que parecia recém-saída da universidade e outra que parecia ter filhos recém-saídos da universidade. Quem estava no meio (o/) trabalhando se sentia um pouco deslocado.

 Claro que quem estava no palco fazia toda a diferença.

 Além de Alicia Keys, que começou a cantar por volta de 19h30 e se limitou a duas canções (sim, nos EUA até baile começa cedo), passaram ali o guitarrista Santanna com a banda mexicana de rock Maná; o-homem-o-mito Steve Wonder; os meninos do fun, uma das bandinhas de indie rock mais tocadas do ano passado; Jennifer Hudson, que cantou um cover de “Let’s Stay Together”, de Al Green, para o presidente e a primeira-dama dançarem e até o ator Jamie Foxx, que incorporou mais uma vez Ray Charles para que o vice-presidente Joe Biden dançasse com sua doutora Jill (momento mais fofo da noite). O músico de R&B John Legend, o country Brad Pailsey, a ultrapop Katy Perry… havia para todo gosto. Mas tudo talhado para a geração do deficit de atenção, nada com mais de meia hora de show (alguns, com cinco, seis minutos).

Toda essa constelação não parecia suficiente para entreter o público americano. Na hora em que fui embora, 23h, mais ou menos metade do povo já havia partido (e a outra metade parecia se preparar para). Com exceção do momento Steve Wonder, gente dançando mesmo só se via quando o DJ evocava a trinca Michael Jackson-Madonna-Cindy Lauper (e ele o fez de novo, de novo e de novo).

Talvez fosse o ambiente. O Centro de Convenções, com suas pilastras de concreto e seu ambiente asséptico, não foi em nada enfeitado para a ocasião, parecendo mais um hangar do que um salão.

Talvez fosse o frio. O termômetro marcava um grau positivo, e nas longas, longuíssimas filas para entrar no local, mocinhas tremelicavam em vestidos de paetê, retalhos, muito tafetá mas invariavelmente de ombros desnudos (para não contar as de vestido curto, embora no convite se exigisse traje black-tie). Algumas se aqueciam saltando na espera, chinelos e até pantufas substituindo os altíssimos saltos, já prevendo o martírio de pés esmagados no salão.

(Mesmo sem ter de encarar fila porque a entrada de imprensa era, em tese, mais simples, esta repórter passou quase quarenta minutos até achar a porta correta no imenso galpão, tentando passar as inúmeras barreiras policiais, revistas, detectores de metais e desviando de ratos pela calçada, uma visão não rara na capital americana — e não se trata de metáfora. Pobres das que estavam de sandália.)

Lá dentro, a molecada aproveitava a bebida relativamente barata — champagne a US$ 9, cerveja a US$ 5 e drinques a US$ 10 — para lavar a alma. Ou seja, mais filas. Um rapazinho na minha frente, acompanhado de uma moça bem mais volumosa que ele, comprava US$ 150 em bebidas. Justiça a ser feita, não notei ninguém dando vexame. E olha que não havia nada para comer — só pretzel e salgadinho de queijo, ambos de pacotinho. Antes das 22h, porém, não eram poucos os que pediam arrego e sentavam no chão, sem sapatos, entretidos com seus celulares.

Quando Obama e Michelle entraram para dançar de rosto colado — pareciam muito, muito mais à vontade do que em 2009 –, o salão se tornou um mar de celulares brilhantes registrando a cena. Registrar as cenas, aliás, parecia a atividade número um da noite.

E olha que a noite de fato foi “inclusiva”, como queriam os organizadores ao reduzir os bailes oficiais de dez para dois (o primeiro, reservado apenas a militares e familiares, em salões anexos no mesmo centro). Com ingressos entre US$ 150 e US$ 60, o baile era quase-popular, e foi divertido ver o povo de blazer azul-marinho de Georgetown e a turma da Rua U (estou velha e a comparação só vale para São Paulo, mas seria uma espécie de Vila Olímpia versão muito branca encontra a Vila Madalena, versão black) se misturarem a senhoras negras na faixa dos 70 que pareciam as únicas a estarem ali genuinamente por Obama.

Sim, as pessoas pareciam alegres, mas nada daquela comoção da festa da vitória, daquele sentimento de noite histórica, nem mesmo com a bebida *barata*. Alegria mesmo, só a de compartilhar o feito — os 30 mil ingressos esgotaram-se quase instantaneamente — com os amigos pelo celular. Mas isso lá é festa?

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Uma posse menor

Por Luciana Coelho
21/01/13 08:01

WASHINGTON — A capital americana está cheia. Há filas nas portas dos restaurantes; as pessoas se acotovelam em ruas de compras; ônibus lotam e hoteis e aeroportos estão mais movimentados do que de costume.

Foi um fim de semana prolongado — hoje é feriado de Martin Luther King nos EUA. Mais do que isso, é o dia da segunda posse de Obama.

Essa movimentação toda, porém, não se compara à de 2009. Naquele ano, foram 1,8 milhão os presentes na posse do primeiro presidente negro dos EUA, uma massa movida pela esperança e pela expectativa.

Desta vez, após quatro anos de crise, com boa parte das promessas quebrada e muitos fios de cabelo branco a mais na cabeça de Obama, a estimativa é que a multidão fique entre 500 mil e 700 mil. Não é desprezível, claro, mas é (na média) um terço do que foi da última vez. 

Chama a atenção a predominância de negros (Washington já é uma cidade com população negra grande) e de jovens entre os turistas da posse. Esses últimos parecem, muitas vezes, fazer parte de excursões escolares que combinam o feriado ao evento cívico. De qualquer forma, são parte do núcleo-duro da coalizão que elegeu Obama — faltam só os latinos.

Como americano é um bicho patriota e empreendedor, a multidão encolhida não desanimou os lojistas: toda sorte de bugiganga com a cara do presidente está sendo vendida: camisetas, moletons, bonecos, buttons, sacolas, canetas, ímãs, jogos… e uma amiga reclamou não ter encontrado um incenso (!) presidencial de que tinha ouvido falar.

Os cartões de metrô comemorativos, com a cara do presidente, estão se esgotando. O que encalhou foram os (caros) ingresso dos bailes.

Não dos dois bailes oficiais, já que dos dez de 2009 eles encolheram para apenas dois: o primeiro, apenas para membros das Forças Armadas; o segundo teve ingressos vendidos pela internet a US$ 60 que se esgotaram em poucas horas no último dia 7, quando foram oferecidos ao público.

Mas no fim de semana da posse, a capital costuma abrigar dezenas de outros bailes, que promovem do orgulho texano a causas ambientais, passando por recepções de embaixadas, eventos com celebridades e baladas alternativas. Ontem, os ingressos para um desses eventos teve o preço cortado pela metade e era oferecido em um site de compras coletivas.

Reeleições tradicionalmente têm posses mais modestas do que eleições, mas o contraste de 2009 com hoje é tanto que parecem se tratar de presidentes diferentes. Os organizadores disseram que o evento mais contido respeita o momento pelo qual passa o país (acredite quem quiser — a crise em 2009 não era mais grave? isso não silenciou a fanfarra).

Resta ver como o discurso de Obama encompassará esse momento. Em 2009 ele já havia sido sóbrio, sem a aura quase messiânica de sua primeira campanha; é de se supor que desta vez o presidente seja ainda mais duro e mais comedido nas promessas. Não casaria bem com a imagem que o presidente criou para si, porém, adotar um tom soturno; eu ainda aposto que a palavra esperança estará lá.

(Para quem quiser acompanhar a cobertura ao longo do dia, estarei ~tentando~ participar do live blogging da Folha, com atualizações direto do Capitólio, do National Mall e do baile da posse)

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Férias

Por Luciana Coelho
28/12/12 14:23

WASHINGTON – Não foi um ano fácil, e 2013 não traz as melhores promessas para a política americana.

No segundo mandato de Barack Obama, com um Congresso ainda polarizado, quem deve assumir o protagonismo político do país é a Suprema Corte, com uma agenda repleta de decisões importantes sobre liberdades civis — casamento gay, ação afirmativa, direito ao voto.

De resto, esperamos mais ação do Congresso. Menos papelão, como o atual, envolvendo um déficit federal inchado e a incapacidade de ambos os partidos de desenhar um pacote fiscal satisfatório. O impasse aumenta a desconfiança, inibe o consumo, apequena a posição americana no mundo. (Ecos de América Latina nos 80/90?)

O Americana entrará em recesso até o próximo dia 18 de janeiro e não acompanhará a reta final das negociações (já são dois anos e meio sem férias, era hora!). Volto para a segunda posse de Obama, esperando encontrar os EUA fora do abismo.

Vai ser interessante acompanhar o que fará o democrata sem o horizonte eleitoral em vista. Ele vai se sentir legitimado e pender mais para a esquerda (nos padrões americanos, claro). Ou a divisão acirrada do voto popular o levará ao centro? Aos leitores, uma excelente virada. Que o ano novo inspire boas mudanças.

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Natal à Americana

Por Luciana Coelho
25/12/12 22:31

ST. MICHAELS, MARYLAND – Ainda em tempo, que todos os leitores do blog tenham muito a festejar nessas festas de fim de ano, e que 2013 traga boas surpresas.

À espera do Natal em St Michaels, Maryland

Saindo um pouco da política, e cumprindo o que prometi no post inaugural, fui dar uma volta neste fim de semana em St Michaels, uma cidadezinha costeira de Maryland a mais ou menos duas horas de Washington fundada em 1804 que parece ter sido desenhada por um ilustrador infantil.

Em 2010, data do último censo, St Michaels tinha 1.029 habitantes.

É um daqueles lugarejos de conto, com uma “Main Street” cortando a cidade e ruazinhas vicinais que brotaram a partir de uma igreja episcopal aberta ali em 1677.

Há dois supermercados, três imobiliárias, uma rua repleta de restaurantes (a indústria pesqueira, sobretudo de ostra e caranguejo, ainda é vital para a cidade) e uma fileira de lojas coloridas oferecendo toda sorte de quinquilharias sob o nome genérico de artesanato. Há também uma firma de administração de investimentos e um museu náutico, lembrança de quando os estaleiros de pequeno porte sustentavam a economia local.

As casas quase sempre são brancas, pintadas caprichosamente e adornadas com floreiras e outros floreios. Não há muros; não se vê quase que nem as plaquinhas de “não invada”, tão comuns em propriedades americanas.

Na entrada, a cidade se gaba de ter “iludido os ingleses” — dizem que em uma tentativa de aniquilar o posto avançado na baía de Chesapeake em 1812, após uma sessão de troca de tiros, os forasteiros desistiram ao verificarem que as luzes estavam todas apagadas e acreditarem que ninguém mais sobrara vivo.

Dick Cheney teve casa por ali, Donald Rumsfeld tem uma fazenda próxima (história interessantíssima, aliás, é a mesma de onde o abolicionista Frederick Douglass fugiu ainda quando escravo — e não, a fazenda eu não visitei). Mas não vi nenhum dos dois circulando. Não vi, aliás, quase ninguém circulando, apesar de a cidade estar toda arrumada para o Natal, como se fosse um destino típico.

O bacana é que não é.

Com tantas cidades que parecem terem saídas do filme “O Show de Truman”, a genuinidade de St Michaels, mesmo com suas casas cor-de-rosa e amarelas, seu único posto de Correio, sua igreja com presépio no gramado e seu posto de bombeiros recém-pintado são  um alívio (quem já foi à praia nos EUA e viu os grandes estacionamentos de asfalto; ou as passarelas de madeira milimetricamente planejadas para parecem qualquer lugar não-especificado, sabe do que eu estou falando).

No ano passado, em uma visita não-planejada, fui parar ali em um salão da escola local, que dobrava como associação comunitária, e promovia leilão de casinhas construídas por crianças com pão-de-gengibre (algo que lembra vagamente nosso pão-de-mel, uma tradição de Natal por aqui). Difícil ver algo mais Americana. E reconfortante pensar que ainda existam cenários assim por aí.

Não se irritem, que este é um post nonsense mesmo, um pouquinho do cotidiano americano que não sai no jornal, um pouco da não-urgência, da não-política, da contemplação.

É isso que eu desejo aos leitores no próximo ano, conservadores, progressistas, libertários, independentes, socialistas, o que sejam: tempo para respirar e contemplar, como o Papai Noel gaiato ali de cima, encontrado às vésperas do Natal em St Michaels.

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Nós, o povo

Por Luciana Coelho
20/12/12 19:45

WASHINGTON – Depois da tragédia em Newtown, pipocaram petições e movimentos nos EUA pedindo a proibição total ou parcial do porte de armas ou, no contra-ataque, a defesa do porte legal e dos proprietários que segue a lei.

Cartaz em Newtown pergunta o porquê da chacina (Reuters)

Nenhuma vitrine é melhor para observar essa movimentação do que o site de petições da Casa Branca, uma ferramenta virtual inaugurada pelo governo de Barack Obama para que os cidadãos possam fazer suas demandas e arregimentar apoio a elas batizado como “We The People”, em alusão ao preâmbulo da Constituição. O governo promete ler e responder todas aquelas que reúnam mais de 25 mil assinaturas em um mês.

Existem hoje no site 171 petições. Destas, 12 pedem a proibição total ou parcial da venda de armas, enquanto 14 querem apoio ao porte legal. As petições antiarmas atraíram 350 mil assinaturas na última semana, e as pró-armas, 115,4 mil (sendo que 27,5 mil defendem inclusive o uso de armas nas escolas, ou com a proteção por guardas, policiais ou veteranos de guerra, ou com o treinamento dos próprios professores).

O site de petições — onde há documentos pedindo de um aumento de verba para a Nasa à liberação do uso recreativo da maconha em Ohio, além da independência dos Estados do sul do país — pode refletir melhor o poder de ativismo do que a vontade da população em si.

Mas é verdade também que as posições sobre esse tema, sempre divididas com ligeira vantagem para os pró-armas, desta vez parecem pender para os que querem a restrição. Na quarta, uma pesquisa feita para a rede CNN mostrou a preferência de 52% pelo controle — uma vantagem dentro da margem de erro, de quatro pontos.

O presidente Barack Obama pediu a seu vice, Joe Biden, que encabeçasse uma força-tarefa para propor soluções de contenção de tragédias assim. Propostas que envolvam mais restrições devem seguir para o Congresso já em janeiro, determinou o presidente, no que se enuncia como mais uma batalha entre republicanos e democratas e, sobretudo, entre as costas e o miolo e o sul do país.

Mais nebuloso do que o plano para armas, porém, são as esperadas propostas para melhorar o diagnóstico e o tratamento de problemas de saúde mental. No site das petições, há cinco sobre o assunto, com 44,7 mil assinaturas. Sobre este assunto, o melhor texto que eu li (e recomendo, com pedidos de desculpa por não ter os direitos para traduzi-lo) é este aqui:http://www.huffingtonpost.com/2012/12/16/i-am-adam-lanzas-mother-mental-illness-conversation_n_2311009.html 

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A Segunda Emenda

Por Luciana Coelho
15/12/12 00:14

WASHINGTON – Quando um rapaz de 24 anos entrou em um cinema em Aurora, um subúrbio de Denver, e matou a tiros 12 pessoas em julho deste ano, os dois então candidatos à Presidência dos EUA lamentaram a tragédia, ofereceram pêsames e evitaram questionar o direito de qualquer cidadão americano ter uma arma.

Em plena campanha, discutir a Segunda Emenda da Constituição americana, que garantia o direito ao porte de armas em um tempo em que os EUA  ainda tinham milícias, não era considerado eleitoralmente saudável.

Nesta sexta, quando outro rapaz matou 20 crianças e seis adultos em uma escola de ensino fundamental em Newtown, um cidadezinha de 27,5 mil habitantes no rico Connecticut, Jay Carner, o porta-voz do reeleito presidente Obama, falou que chegaria o dia de debater a questão do porte de armas. Mas não hoje.

Tristemente, esse tipo de crime se torna mais e mais parte do repertório americano. Mas se o dia do assassinato de 20 garotos e garotas de menos de 10 anos não é adequado, haverá um momento de fato para esse debate?

Apresentadores de TV e repórteres estão chorando diante das câmaras. Crianças salvas por seus professores durante o tiroteio relatam o barulho e os gritos que ouviram aparentemente sem ter ainda a dimensão total daquilo que presenciaram. O presidente interrompeu seu pronunciamento público, de apenas cinco minutos, três vezes. Para limpar a voz embargada, enxugar uma lágrima e respirar fundo. “Ele está acompanhando o noticiário também como pai”, lembrou Carney.

Mas Obama não tocou na Segunda Emenda. Disse apenas que é preciso união para tomar “ações significativas“. O que poderia ser mais significativo do que controlar a venda de armas?

Amigas com filhos na mesma idade das crianças que foram mortas, e que vivem não tão longe de Newtown, estão distribuindo um artigo do “Huffington Post” que classifica o controle de armas como uma bandeira para os pais.  

O que Carney defendeu hoje equivale a dizer que o momento de emoção não é o mais indicado para um debate sobre uma questão tão cara aos americanos, o que faz sentido. Mas quando falamos de uma escola infantil como alvo de um atirador, há como tirar a emoção da equação? E quando lembramos que este é o terceiro massacre — além do do cinema, houve o do templo sikh em Milwaukee, em agosto — em menos de seis meses, dá para dizer que as estatísticas são distorcidas?

Muitos leitores, em outras ocasiões, disseram que no Brasil a venda de armas é proibida, e as mortes por arma de fogo, mesmo assim, batem perto dos 40 mil (os dados variam conforme a fonte e o tipo de contagem).

Mas o Brasil talvez não seja o melhor parâmetro para comparar com os EUA. Em outros países ricos onde a venda de armas é proibida ou controlada, a incidência de crimes do tipo é significativamente menor do que nos EUA. A Escola de Saúde de Harvard estabeleceu a correlação entre número de armas e de assassinatos.

Mesmo assim, a discussão se complica porque a maioria dos americanos continua a ser a favor do porte de armas, e a Segunda Emenda parece intocável. A NRA, principal associação pró-armas, tem 1,7 milhão de fãs no Facebook.

Mas existe uma campanha crescente por melhor regulamentação, checagem de antecedentes, controle sobre as vendas, limitação de número e tipo de armas vendidos. É sobre esse debate que os políticos e ativistas americanos deveriam começar a construir sua argumentação.

 As informações por ora, aliás, são as de que o atirador usou armas que pertenciam à sua mãe no crime. E que serviram também para matá-la.

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Colbert no Senado

Por Luciana Coelho
11/12/12 16:07

WASHINGTON – A linha entre o que é real e o que é ficção, entre sarcasmo e ativismo, sempre foi borrada no programa do humorista Stephen Colbert, que todas as noites, durante a semana, se “disfarça” de comentarista conservador para pregar ideias liberais (no sentido americano da palavra).

 

Colbert está deixando muita gente confusa (montagem sobre foto de divulgação)

 

Em sete anos de programa, porém, nunca a posição dúbia do humorista, que mistura o lado excêntrico do noticiário a entrevistas, foi tão confusa. Enquanto o comediante se esmera para tirar graça das contradições do sistema político americano, uma nova pesquisa o coloca como o favorito para assumir um lugar vago no Senado pela Carolina do Sul, com 20% das preferências contra 15% do segundo colocado, o representante (deputado) Tim Scott.

A pesquisa não é a mais confiável do mundo, pois foi feita pelo PPP, ligado ao Partido Democrata. A vaga tampouco depende de eleição para ser preenchida — será a governadora republicana Nikki Haley que indicará o sucessor do senador Jim DeMint, do Tea Party, que renunciou após ser convidado para dirigir o um centro de estudos conservador Heritage Foundation.

 Mesmo assim, ela dá a temperatura de como realidade e ficção se embaralham na política americana. O twitter da governadora foi inundado com pedidos para que ela escolha Colbert, aos quais ela respondeu simpaticamente dizendo que ele falhou, em uma entrevista com ela neste ano, ao responder qual era a bebida que simboliza a Carolina do Sul (é o leite. Essa coisa dos símbolos dos Estados, bebida, slogan, passarinho, flor, merecia um post a parte).

O curioso é que na noite de segunda Colbert falou da pesquisa durante todo o seu programa, e fez sugestões irônicas a Haley para que o escolhesse em troca de financiamento de campanha arrecadado por seu SuperPAC durante as eleições. Era piada. Ou não?

Como a nossa, a política americana está cheia de artistas que transitam de palcos e telas para palanques — os deles, aliás, com bem mais sucesso. O presidente Ronald Reagan foi o mais bem-sucedido, mas a lista inclui o “governator” Schwarzenegger, o comediante Al Franken (senador por Minnesota), o ator Fred Thompson, que tentou a candidatura à Casa Branca pelo Partido Republicano em 2008 e, agora, a atriz Ashley Judd, que quer desafiar Rand Paul, o filho do Ron, por uma vaga no Senado por Kentucky.

A diferença é que a grande farsa do Colbert tem um requinte quase faustiano — os demais artistas a se metamorfosearem em políticos foram sérios sobre suas intenções desde o princípio. Não tem nada de Tiririca nessa história.

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A ira do rádio

Por Luciana Coelho
06/12/12 18:44

WASHINGTON – De todos os fenômenos midiáticos dos EUA, o que mais me intriga é o dos radialistas de direita que gritam. Sim, há muitos radialista de direita, mas nem todos gritam. Sim, há radialistas de esquerda muito veementes, mas eles não alcançam tantos decibéis.

Em sentido horário, do canto esquerdo, Limbaugh, Beck, Levin e O’Reilly, os reis do rádio conservador e das estradas do país (Reuters/Reuters/divulgação/AP)

Dirigindo pelos EUA durante a cobertura das eleições americanas, eu desenvolvi a quase-perversão de ouvi-los, para ter uma ideia melhor do que pensava uma parcela da população americana e por que elas compravam afinal essas ideias (de volta a Washington, ouvia a Diane Rehm na NPR para saber como pensa outra parcela).

Nesta quinta, Glenn Beck, um dos mais famosos entre eles, anunciou que vai produzir um reality show com documentaristas em busca de patrocínio e interessados em descobrir a verdade. Fico me perguntando que tipo de verdade se pode descobrir para conquistar um prêmio atribuído por Beck — é mais ou menos como esperar imparcialidade de Michael Moore, só que com o sinal invertido.

A coisa que mais me intriga não são tanto as ideias que eles disseminam (embora algumas sejam bastante bizarras), mas o volume e a agressividade com que o fazem. Não digo figuradamente. Há gente, como Mark Levin, que dedica parte de seu programa diário de três horas a ofender os ouvintes, chamando-os de imbecis, burros, pobres-coitados.

Levin, que se formou advogado, é bem menos conhecido do que Beck, Rush Limbaugh ou Bill O’Reilly (este último, quase um moderado comparado aos demais) porque, diferente deles, não tem o horário nobre da TV. Mas seu programa tde rádio atinge boa audiência. E seus livros são lidos (o mais recente deles passou 12 semanas na lista de mais vendidos do “New York Times”).

Prafraseio de memória um dos diálogos que me chocou no programa (a “New York Magazine” reproduz outro, aqui, em inglês). Era sobre os programas de benefícios do governo Obama.

Um ouvinte, declarando-se “liberal” (progressista) liga para defender o seguro-desemprego. Levin o critica, contra-argumenta, diz que é um incentivo à vadiagem, algo mais ou menos nessa linha, e que o presidente não está fazendo nada para realmente mitigar a pobreza. Ok, muita gente acha isso.

O ouvinte então recua um pouco sobre o seguro e rebate: “o presidente está investindo em infra-estrutura, isso cria empregos”.

Depois disso, a coisa desanda. O radialista, exaltado, afirma que obras não ajudam em nada, porque quem está desempregado não estudou, não se esforçou, não há engenheiros que perderam renda e passaram a integrar essa nova pobreza americana. OI? Tudo bem que a essência da sociedade americana é a ideia de vencer na vida e enriquecer com o próprio trabalho e empreendedorismo, muito válida. Mas no pós-crise deveria estar mais presente a consciência de que não se empobrece (ou não se permanece pobre) por escolha ou incompetência, certo?

Não para Levin. Quando o ouvinte se prepara para responder, o radialista o corta: a única obra de infraestrutura que valeria, diz,  era “um buraco para jogar todos esses desempregados e sem-teto dentro”.

E grita, atropela, xinga, na cartilha do gênero (Rush Limbaugh se meteu numa polêmica por chamar de “putinha” a estudante de direito Sandra Fluke). É rádio, o alcance aqui é grande. Não maior que TV, mas maior do que qualquer jornal e revista.

E, parece, muitas pessoas acreditam. Lembro-me de um casal que me perguntou à mesa do café em uma pousada em Maryland o que eu achava do fato de os EUA terem um presidente comunista — veja, eles não disseram incompetente, tampouco o criticaram por ser esquerdista e adepto de programas sociais. Disseram apenas “comunista” mesmo, crentes que Obama era a própria definição do sistema.

Procurei números confiáveis da audiência de Levin para usar no blog e não encontrei — mas descobri em campo que ele pode ser ouvido em todo o sul e em parte do miolo do país.  

É natural que, como Michael Moore ganhou público na era Bush, os radialistas de direita que gritam conquistem ouvintes na era Obama — retórica raivosa só cresce no descontentamento. A pergunta é: radialistas como ele são um sintoma ou estão na causa da polarização americana? Ele converte ou prega apenas porque tem fieis que o escutam?

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Menos carnaval

Por Luciana Coelho
05/12/12 17:08

Dilma e Obama durante a visita da presidente, em abril: a sintonia é boa, mas mais foco viria a calhar

WASHINGTON – Durante uma entrevista com jovens voluntários da campanha de Mitt Romney, há alguns meses, um dos rapazes me perguntou se eu não queria contratá-lo como assistente de pesquisa porque ele queria trabalhar para um jornal brasileiro (na Folha nós, correspondentes, não temos esse hábito). Outro, um estudante espanhol de mestrado havia quase uma década no país, me perguntou como estava a situação de empregos no Brasil.

Um leitor deste blog me perguntou como os jovens nos EUA viam o Brasil. Atualmente, arrisco dizer, como uma espécie de Eldorado, embora a informação sobre o país ainda seja escassa por aqui.

É verdade que melhorou muito. Quando eu era correspondente em Nova York, num não tão distante 2004/5, não havia interesse no país a não ser por parte dos chamados brasilianistas e latinistas. Hoje não.

Existe uma curiosidade disseminada. Em Washington, os motoristas de táxi (muitos deles imigrantes e refugiados africanos) são capazes de discorrer longamente sobre o pré-Sal, a economia do país, a recuperação, a promessa da Copa. E perguntarem da violência, ou quererem saber como é a infraestrutura.

Embora muitas informações que circulem sejam superficiais, hoje é possível se ler no “New York Times” sobre a violência policial e a violência contra policiais no Brasil; a indefectível loja de departamento Macy’s promove um mês brasileiro com designers locais, guaraná e sabonete Granado; estudantes buscam o país para programas de intercâmbio. No MIT, em dois anos, os alunos interessados em aulas de português passaram de 10, 12 a mais de cem.

Obviamente o Brasil não é a China (nem a Índia) para os americanos, mas esse interesse recém-desperto é muito menos, digamos, carnavalesco do que o do passado. Se é moda, não sei; alguns estudiosos e economistas acham que sim. Mas a curiosidade é legítima, sobretudo entre os mais jovens e antenados.

Aos poucos, também, o país deixa de ser visto como emissor de imigrantes sem documentos como emissor de turistas endinheirados, que andam salvando as comissões de vendedores na Flórida e em Nova York. A tentativa de mudança na política de vistos é resultado disso.

E não são só os turistas. Delegações e mais delegações de governos municipais e estaduais visitam o país por ano. Relações-públicas contratados por cidades no Texas e na Carolina do Norte procuram jornalistas brasileiros que queiram conhecer suas cidades-bases e mostrar como ela é vantajosa para empresas que queiram entrar nos EUA (raramente dá certo; jornalistas só se interessam quando há uma boa reportagem a ser feita). Governadores despacham seus vices para encontros na Fiesp e em Brasília.

Os dois países ainda têm alguns enroscos (sobretudo na questão dos subsídios, onde trocam acusações frequentes) e um excesso de dispersão de foco para acelerar essa relação. O Brasil não está no primeiro plano estratégico para os americanos. As questões regionais andam em período de calmaria.

Mas no que diz respeito à sociedade, pelo menos nas cidades mais cosmopolitas dos EUA, sim, o país está definitivamente no mapa — e para quem tem menos de 30 anos, circulado com a mensagem: visitar.

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Lincoln e seus lobistas

Por Luciana Coelho
04/12/12 18:47

WASHINGTON – Será que Abraham Lincoln (1809-65) comprou os votos para aprovar a 13a. emenda, que aboliu a escravidão nos EUA? E se tiver comprado, em quanto isso apequena sua figura?

Lincoln visita um campo de batalha na Virgínia, perto de Washington (à esq.) e sai para a fatídica noite no teatro, onde seria assassinado (à dir.) (Divulgação)

Essas são as perguntas que ficas após assistir “Lincoln”, a cinebiografia do presidente americano dirigida por Steven Spielberg que deve chegar ao Brasil no fim de janeiro e que nas últimas semanas se mantém entre os filmes no topo das bilheterias nos EUA.

Vou deixar em segundo plano a performance incrível e absorta de Daniel Day-Lewis (gênio), o carisma de James Spader (um ator muito melhor após trocar a cara de galã por uma barriga e uma careca, de verdade) e a fotografia hipnotizante de Janusz Kaminski, que há anos dá luz à imaginação de Spielberg.

O bacana do filme (são 150 minutos de projeção) é seu foco na habilidade de negociação de Lincoln e na polarização do Congresso entre republicanos e democratas. Soa familiar? Pois é.

Enquanto a Guerra de Secessão (1861-65) chegava a seus sangrentos momentos finais — muitos deles aqui do lado, na Virgínia — o presidente insistia em aprovar uma emenda que, na época, parecia impossível de passar, e que estava exatamente a gênese do conflito civil.

Os democratas, escravagistas então concentrados no Sul, eram radicalmente contra a libertação. Mesmo alguns republicanos titubeavam e questionavam o que viria depois (direitos políticos para os negros? imagine só). Para conseguir apoio suficiente, Lincoln incumbe três lobistas (Spader entre eles) de persuadirem os legisladores indecisos ou vira-casacas. E aí vale tudo: oferecer dinheiro, cargos, vantagens. O pensamento é puramente maquiavélico: os fins justificam os meios.

É interessante ver uma cinebiografia tão crítica, que mesmo ainda louvando Lincoln como herói o mostra como alguém corruptível, venha justamente do superufanista Spielberg.

Historiadores chiaram, dizendo que a questão do suborno é uma interpretação do diretor, do roteirista Tony Kushner (de “Munique” e “Angels in America”) e do próprio Day-Lewis, que desceu seu Lincoln para o mundo dos mortais e o dotou de senso de humor, senso de oportunidade política, ambição e angústias. No registro histórico, consta apenas que o presidente mandou emissários “conseguirem” os votos.

O exercício da crítica contra uma figura histórica tão reverenciada costuma ser raro por aqui. Nos EUA, os “founding fathers” (os responsáveis pela Independência, como Jefferson, Washington, Franklyn — John Adams costuma ficar injustamente fora) são tratados como deuses. Teddy Roosevelt e Lincoln, também. Quase como se não fossem humanos, passíveis de erros.

Ver esse Lincoln que titubeia e falha na tela é portanto reconfortante. Mas aí surge outra dúvida: estaria Spielberg validando a corrupção, por que o objetivo, afinal, era nobre (acabar com a escravidão)?

Por outro lado, fica também a sensação de que para passar algo grandioso é preciso desagradar um bocado de gente e elevar suas apostas. Até que ponto?

Não sei se Lincoln fez do melhor jeito, se um grau de cinismo aí é aceitável. Mesmo assim, Obama e os republicanos, presos a embates infindáveis sobre questões muito menores, podem ter o que aprender com seu ex-presidente.

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