Boston, 15/4/13
15/04/13 22:05WASHINGTON – Numa das paredes de casa, há um pôster com uma ilustração das tulipas e da estátua de George Washington do Jardim Público, o principal parque de Boston, com uma frase em homenagem à cidade que por um ano eu e meu marido chamamos de casa: “berço da democracia”.
É um epíteto exageradamente americano e patriota, um eco das batalhas pela Independência e das revoltas que a precederam, muitas das quais ainda inspiram os cidadãos do país. No meu caso, é uma pequena homenagem e uma lembrança do lugar que me acolheu com tanta generosidade, com suas universidades incríveis e seus moradores tão fascinantes, vários dos quais se tornaram amigos.
Nesta segunda, foi preciso escrever, telefonar (sem sucesso) ou enviar mensagens a cada um deles para saber se estavam bem. Se ninguém — nem os amigos dados a correr maratonas — havia sido atingido pelas explosões que visaram a linha de chegada da corrida e, indicavam as primeiras e esparsas informações, pontos da cidade que naquele ano fizeram parte da minha rotina.
Americanos e brasileiros que fizeram nossa estada lá um dos períodos mais bacanas da minha vida foram, um a um, respondendo. Conforme as respostas chegavam, vinha o alívio. Ao mesmo tempo uma tristeza tremenda.
Uma ex-colega, mãe de duas crianças (uma das vítimas tinha só oito anos), disse estar com raiva e medo. Um professor querido lembrou-se do 11 de Setembro. Um amigo brasileiro disse ter tido a sorte de mudar seu roteiro e desistir de ir ao centro da cidade. A amiga canadense repórter apareceu com fotos do local, já trabalhando. Uma família brasileira, estupefata, retransmitiu o noticiário quase em tempo real. Outra amiga falou “loucura”. A mãe recente, em tristeza e susto. Um amigo mestrando eu ainda não consegui encontrar, mas imagino que, por ser feriado na cidade, ele estivesse viajando.
Quando eu lembrar de Boston, eu queria me lembrar do rio Charles e de seus remadores. Das casas que ainda se empenham, independentemente da classe de renda a que pertençam, em se encherem de luzes de natal em Sommerville. Da multidão multiétinica que sai dos portões de Harvard, do MIT, da Tufts, da Boston University — embora essas sejam, provavelmente, as únicas multidões verdadeiramente multiétinicas da região. Da neve se acumulando diante das casas de madeira, exatamente como eram a cem ou duzentos anos. Dos shows de rock no Orpheum. Das árvores que se tornavam vermelhas, laranjas e amarelas no outono. Das vitrines da rua Newbury. Dos músicos tocando no Jardim Botânico. Dos bares da Boylston e de Cambridge. Da comida do North End. Do violinista da estação de metrô em Harvard Square. Dos bolinhos de caranguejo. Das casas austeras de Beacon Hill. Do Instituto de Arte Contemporânea e sua incrível vista para a baía. E das tantas caminhadas pela cidade, mostrando-a para a família e os amigos que visitavam com um orgulho emprestado.
Agora eu vou lembrar, antes de tudo, dessas palavras de alívio que chegaram nesta segunda-feira, em meio a um noticiário confuso, em que nós, jornalistas, pouco pudemos apurar, e do qual eles, os políticos, mal souberam explicar.
É cedo para palpites, e a natureza improvisada dos atentados tornam o cenário todo mais confuso. Estariam os EUA, de novo, às voltas com o terrorismo doméstico? E qual a causa? Qual a motivação?
Principalmente, porque atingir uma cidade tão generosa, que com seus 625 mil habitantes, deu e dá tanto para os EUA e para o mundo? O que Boston simboliza, se não aquilo que os EUA ainda têm de melhor?
Boston, para mim, é lugar especial. Desde de criança, de modo lúdico, conheci da historia de Paul Revere’s Ride em defeza da independência dos EUA: “The British are coming… The British are cominh! Veja a magestosa estátua de Paul Revere: https://www.google.com.br/search?q=The+statue+of+paul+revere&safe=off&tbm=isch&tbo=u&source=univ&sa=X&ei=VsJsUZfaN5Om8QTllIDIBA&ved=0CFgQsAQ&biw=1093&bih=453
Eu conheço a estátua, professor 🙂
Minhas orações estão com todas as vítimas desse covarde ataque terrorista.
Luciana,
Coragem é uma das qualidades inegáveis deste povo que sacrificou tudo na defesa de seus ideais em memoráveis campos de batalha.
Nunca perderam sua coragem.
Meus sentimentos por suas perdas. Minha admiração por sua capacidade de organização e ao respeito que têm uns pelos outros.
Em 50 dias estaremos em Boston. Faremos nossas orações e prestaremos respeito ao seu sofrimento in loco. Com pesar,
Cristiane e Wilson.
Luciana, Você conseguiu descrever essa cidade tão acolhedora, bonita, sofisticada e berço da elite norte-americana.
Lá nasceram 2 das minhas três filhas, onde moram. A cidade, nem seu povo, merecia tamanha covardia.
Espero que o trauma seja curado rapidamente. E que os responsáveis paguem pelo que fizeram.
Pois é. Espero que suas filhas estejam bem, Thales. Abs.
A impressão que passa é que esses ataques terroristas demonstram uma frustração assustadora…Curioso observar também o quanto deve ser trabalhoso e cansativo perpetrar tanta maldade…Parece uma vingança eterna e neurótica, sem ponto final…
Bagdá era o que tinha de melhor no Iraque também…pena né??!!
João, não só o melhor do Iraque, aliás — foi uma perda de patrimônio da humanidade absurda. E é especialmente doído constatar isso quando você fala com refugiados iraquianos. Uma guerra, ao meu ver, injustificável. Mas (1) acho cedo para dizer que o atentado é efeito da política externa americana — ele pode ser terrorismo doméstico; (2) se fosse este o caso, o que não me parece, uma coisa não justificaria a outra — ainda mais que o atentado não foi contra nenhum símbolo ou figura de poder americana. Abs.
A Sra. tem razão e o Congresso Americano na época era de maioria Democrata. A ex candidata para Presidente e ex Secretary od State e o atual Presidente TAMBÉM aprovaram.
Adorei o texto!
Uma das coisas mais irritantes a cada atentado nos EUA é essa estranha aura de incompreensibilidade dedicada a eles, e só eles, aos atentados nos EUA. Essas mesmas manifestações de perplexidade, essas perguntas “por que atingiriam Boston?” jamais são feitas quando as vítimas são palestinas, iraquianas, afegãs e as bombas são americanas.
Lamento o atentado em Boston e não sei quem foi responsável por ele, mas não posso deixar de notar: enquanto os jornalistas continuarem com essas carinhas pateticamente atônitas perguntando-se o porquê de um atentado nos EUA que matou 3 pessoas, enquanto não fazem a mesma pergunta pelo atentado também de hoje que matou 55 iraquianos (atentado tornado possível pela invasão americana) ou a bomba, também de hoje, com que os EUA mataram 55 afegãos numa festa de casamento, enquanto continuarem a agir assim, continuarão sem resposta, porque a pergunta é falsa.
Por que uma família palestina que mora há 500 anos em Hebron tem que acordar com mijo de colonos em suas cabeças e armas do exército de ocupação apontada para seus filhos? Alguma vez você já fez essa pergunta, Luciana Coelho?
Enquanto não a fizer, será incapaz de entender por que alguém atacaria Boston. Independente de quem tenha atacado Boston desta vez. Até acho que devem ter sido fanáticos armamentistas brancos e cristãos mesmo. Mas isso não muda nada no argumento.
Um abraço.
Eric, me desculpe, mas não aceito a carapuça para o que vc está dizendo. Eu tenho uma ligação pessoal com Boston, daí este post. E o blog é sobre EUA, sou correspondente em Washington, não no Oriente Médio. Se te interessa, pessoalmente acho igualmente horrível — ou mais horrível, dada a escala de número de mortos — atentados e guerras que matem civis em qualquer lugar do mundo, sejam palestinos, libaneses, iraquianos, franceses, quenianos etc.
Essa incompreensão unilateral que vc cita aconteceu nos EUA no 11/9, pq foi uma coisa de escala absurda, e pq os EUA são, de fato, um país ensimesmado. Mas não acho que se possa generalizar, que as pessoas achem em geral (os não-americanos) que porque é aqui é mais grave. Eu ao menos não acho. Aparentemente, nem os leitores do blog. Quis postar porque o blog tratar de coisas americanas, e queria contar o que é a cidade. Fora que não está com cara de que o atentado tenha sid perpetrado por estrangeiros. E outra, a gente evoluiu muito para querer viver sob a Lei de Talião. Civis são civis, não se mata civis onde quer que eles estejam e seja qual for sua nacionalidade. Se você tiver dúvidas, convido-o a ler o resto do blog — especialmente os posts sobre drones. Abraço.
Sim, eu sei que o blog é sobre os EUA. Já li todos os arquivos. Nunca vi uma única linha sobre os atentados cometidos pelos EUA contra os outros. Eles acontecem no Oriente Médio mas são decididos, financiados, planejados e legitimados nos EUA.
Mas parece que atentado só se encaixa entre as “coisas americanas” quando os EUA são vítimas.
Enfim, não quero ser incoveniente com o seu luto e espero que todos os seus estejam bem. Parte dos meus foram assassinados ano passado por um bombardeio ordenado aí na cidade na qual você é correspondente.
Mas, claro, esta não deve ser uma “coisa americana”.
Abraço.
Não acho que os EUA sempre sejam vítimas não, só acho que uma coisa não justifica a outra, seja aqui, no Oriente Médio, na África ou onde for (e a regra também vale para o intervencionismo americano mundo afora, não acho que atrocidades devam ser respondidas com mais atrocidades). De fato o blog deixou a política externa americana em segundo plano, foi uma opção por haver outros colunistas no jornal que falam bastante sobre ela. Agora, se você está falando sobre drones, este é um assunto que foi bastante abordado aqui, sempre com crítica. Abs.
Conheçi Boston de uma temporada que lá passei e a memória que de lá tenho corresponde em grande parte à sua descrição. Que acontecimento terrível. Vai deixar marcas que aquela cidade não fez por merecer, pelo contrário, encontrei lá hospitalidade, cultura e civilidade.
Pois é Gilberto. Mas não que nenhuma cidade ou país mereça atentados ou guerras, né. Mas Boston não simboliza nem o lado negativo dos EUA. :/
Nada trará de volta as vidas ceifadas e a paz do povo americano… mas que brutalidade tem o homem pra destruir sonhos e vitórias? Meu Deus ! Uma mente doente de ódio e inveja precisa ser excluida da humanidade. Prisão perpétua pra os responsáveis…God bless America.
O alvo não seria a imagem do próprio presidente em sua terra natal? Um índicio foi o local onde fica o memorial J.Kennedy na biblioteca, onde ao que parece, um dos ataques falhou. A extrema direita ultrapassou a linha da luta pelo poder ao tentar empurrar o presidente para uma crise interna ferindo cidadãos de seu País? O atentado não tem a potência de uma ataque terrorista radical.
Pois é, mas e a maratona? Acho que não dá para apontar dedos sobre autorias, Carlos. Abs.
Ser a maior potencia do mundo traz custos pesados também, os inimigos que se criam é só um deles.